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Conhecer o passado e a verdade sobre os fatos que constituem a história do país é um direito fundamental que deve ser assegurado a todas e todos. A investigação do passado é fundamental para a construção da cidadania e para a constituição da memória individual e coletiva. Muitas das atrocidades praticadas durante o Regime Militar (1964-1985) ainda permanecem nebulosas e desconhecidas da ampla população. O golpe militar deflagrado em 01 de abril de 1964 lançou o país sob o comando de uma ditadura que durante vinte anos suprimiu liberdades individuais e coletivas nas mais amplas esferas: educação, cultura, comunicação e até a estrutura policial foram afetadas pelo regime. Junto ao medo promovido pelos agentes da ditadura por meio das perseguições, sequestros, torturas e desaparecimentos, a mudança no currículo escolar, a veiculação de notícias falsas e a censura ao jornalismo garantiram que o regime militar veiculasse uma imagem positiva da ditadura, imagem que, a despeito de toda violência e brutalidade cometidas, foi amplamente veiculada e marcou o imaginário de larga população. 

 

Mesmo 30 anos após a redemocratização o Brasil ainda processa com dificuldade o resgate histórico sobre o que ocorreu com as vítimas atingidas pela repressão. Diversos documentos e marcos das ações dos militares foram destruídos; relatos e arquivos que registram perseguição, censura e violações custaram a ser abertos e compartilhados. Descobrir, revelar e compartilhar fatos que foram silenciados pelos agentes da ditadura são essenciais para a consolidação da cultura democrática e para a garantia de direitos no presente. Nessa seara, memória e verdade operam como importantes ferramentas contra a amnésia que alimenta a banalização da violência e sua legitimação como instrumento institucional.

 

O direito à memória e a verdade (DMV) é um dos pilares que compõem a Justiça de Transição – isto é, o conjunto de mecanismos e ações necessários para que efetivamente se estabeleça a transição de um regime ditatorial para um regime democrático[1].

 

 

No Brasil, desde os anos 90, mas principalmente depois da virada do século, foram dados importantes passos no sentido de resgatar a memória e esclarecer o que de fato aconteceu no obscuro período da ditadura militar no Brasil – como atestam alguns marcos legais. Nos últimos anos, além da além da criação de Comissões da Verdade que em diferentes esferas investigam as violências do regime militar e recomendam medidas garantidoras de que elas nunca mais se repitam, o III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) lançado em 2010 é extremamente significativo.

 

Com o PNDH-3 o direito à memória e à verdade é consagrado como um dos eixos orientadores da política nacional de direitos humanos. Dessa forma, se reconhece como atribuição do Estado garantir que todas e todos tenham acesso aos fatos, memórias e marcos que compõem esse passado. O direito à memória e à verdade não é exclusivo das vítimas do regime autoritário, mas de toda população; é um direito fundamental que deve ser assegurado às novas gerações.  Apenas ao conhecer com profundidade o passado marcado pela repressão será possível evitar sua repetição no presente e a efetiva valorização da cultura democrática.

 
 
 
[1] Após a onda de redemocratização consolidada nos anos 80, com as transições de regimes ditatoriais para regimes democráticos em países como o Chile, Uruguai e Brasil, assim como nas antigas colônias da África e da Ásia, o termo Justiça de Transição surge a partir da compreensão de que o fim de uma ditadura, com a garantia de eleições diretas, não assegura automaticamente o estabelecimento da democracia e que, para que a transição seja completa, é preciso garantir os seguintes pilares: i) o direito à memória e à verdade histórica; ii) a reforma das instituições; iii) o direito à reparação e iv) o direito à Justiça.

 

“A história que não é transmitida de geração a geração torna-se esquecida e silenciada. O silêncio e o esquecimento das barbáries geram graves lacunas na experiência coletiva de construção da identidade nacional. Resgatando a memória e a verdade, o país adquire consciência superior sobre sua própria identidade, a democracia se fortalece. As tentações totalitárias são neutralizadas e crescem as possibilidades de erradicação definitiva de alguns resquícios daquele período sombrio, como a tortura, por exemplo, ainda persistente no cotidiano brasileiro”
Programa Nacional de Direitos Humanos III

Direito à Memória e à Verdade

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